Os caminhantes são viajantes. Entendemos a nossa locomoção como autêntica, honesta e sustentável. Nós caminhamos a uma velocidade natural. Os caminhantes viajam com as suas próprias forças, tanto mentais como físicas, ou seja integralmente e levam o seu tempo. Só assim aprendemos a conhecer verdadeiramente o nosso meio ambiente, um país, as pessoas, a flora e a fauna de uma região.
Uns andam mais rápido, outros mais devagar. Antes de começarmos a caminhar, planeamos o nosso primeiro pequeno passo. Para percorrermos o Algarve, temos que primeiro lá chegar. Podemos nós ainda hoje sentar-nos no automóvel ou no avião sem reservas e de consciência tranquila? Não será necessária também uma chegada e uma partida sustentáveis?
A esta questão – como faço para chegar ao ponto de partida da minha caminhada – já não nos podemos escapar com quaisquer desculpas. Ir de carro ou de avião, caminhar, voltar ou voar? Durante um voo de ida e volta do Porto para Faro, cada passageiro é responsável pela emissão de mais de 300 quilogramas de CO2. Numa viagem de automóvel de Lisboa para Faro e regresso, nós emitimos cerca de 100 quilogramas. Como é possível nós irmos caminhar na natureza e ao mesmo tempo assumirmos um compromisso cobarde na chegada e na partida? Porque não saímos da nossa porta de casa e partimos logo a seguir com as nossas mochilas às costas a pé…
Que uma viagem também pode ser feita quase sem qualquer poluição do ambiente, revela-nos o comboio e os transportes públicos: (www.transportespublicos.pt). Se nós quisermos, podemos viajar de forma ecológica. Não se trata apenas da recusa dos combustíveis fósseis, mas também de uma maior modéstia. E só iremos vive-la quando reflectirmos sobre o que é ou não realmente importante. Será o avião como meio de transporte o non plus ultra? Podemos nós renunciar ao automóvel nas nossas viagens? Não estaremos nós assim a contribuir para a melhoria das possibilidades de vida das futuras gerações? É tudo uma questão de vontade. Não queremos com a caminhada desacelerar e participar activamente na diminuição das emissões prejudiciais de C02? Isso hoje anda de mãos dadas. Portanto, nós temos a possibilidade de chegar ao ponto de partida desta caminhada de autocarros&comboio: Faro, Alcoutim.
Independentemente do sítio de onde venha, seja Braga, Porto, Lisboa ou até do Rio de Janeiro, qualquer caminhante pode chegar a Alcoutim de barco, comboio e autocarro, ou até mesmo de bicicleta. O tempo de viagem, de Braga ou do Porto, é de apenas um dia para ir e outro para regressar.(www.cp.pt, www.seat61.com e http://www.hamburgsued-frachtschiffreisen.de/hsr/en/freightertravel/index.jsp). Quando a viagem de comboio é muito longa, faz-se uma paragem em algum lugar. Também na caminhada fazemos sempre uma pausa, antes que ela se torne demais para nós. Na Via-Algarviana também damos tempo para conseguirmos chegar de Alcoutim ao Cabo de São Vicente: 330 quilómetros em 14 dias de percurso. Caminhamos a uma velocidade média de no máximo quatro quilómetros. Então, vamos desacelerar na viagem de ida e volta, também para o bem da nossa saúde.
Tornar esta caminhada numa coisa circular? Numa viagem de comboio dentro de Portugal, não chegam a ser emitidos 15 kg de CO2, ou seja apenas cinco por cento da quantidade de CO2 gerada por um avião e no máximo 15 por cento em comparação com o carro.
Os caminhantes são amigos da natureza. No que diz respeito à nossa alimentação, comemos e bebemos do que é genuíno, típico, tradicional e variado, e às vezes também vegetariano. Evitamos a fast food. Portanto, vamos desfrutar de uma caminhada que nos fará bem. Toda a caminhada é um passo importante no rumo certo.
Cada vez mais caminhantes (pessoas) vivem nas cidades. Além disso, no nosso país, ao longo de duas gerações, a costa transformou-se em subúrbios afluentes. Isto é, em certa medida, devido ao negócio fácil e barato do turismo e a perspectiva de trabalho e melhores salários para uma geração jovem. Ganhar dinheiro como expressão da procura de um sentido e ao mesmo tempo do menosprezar das estruturas sociais e culturais do interior, das aldeias. Na maioria dos municípios rurais do interior algarvio e do Baixo Alentejo já não vivem mais seis habitantes por metro quadrado. Alcoutim é um exemplo. 576 km2 e 2.917 habitantes distribuídos por cinco freguesias: Alcoutim, Martinlongo, Pereiro, Giões e Vaqueiros.
É exactamente aí que começa a minha Via-Algarviana, a antiga rota peregrina de São Vicente. O nome Via Algarviana é um sinónimo de um percurso, que nos leva através do interior do norte do Algarve, mais precisamente do nordeste para sudoeste. O litoral e as suas aglomerações perdem-se no horizonte distante. A caminhada leva-nos através do interior, através da sua natureza, das montanhas e dos cursos de água. Encontramos sobretudo idosos, os que ficaram, que aqui vivem ainda e que ali vivem e trabalham de forma genuína. E porque as suas pensões de reforma mal chegam para sobreviver, a maioria ainda trabalha para o seu sustento. Para muitos dos habitantes das cidades que estão habituados ao conforto total, e para quem a electricidade sai simplesmente de uma tomada e a água quente sai de uma torneira, a vida do campo é certamente sinónimo de pobreza. Mas será que isso é verdade?
No primeiro dia caminhamos 25 km até Balurcos de Baixo. No segundo dia paramos na família do Senhor Henrique e da Doutora Maria José em Furnazinhas, uma aldeia a que chegamos depois de 14 quilómetros. Aí alojamo-nos na Casa do Lavrador, uma quinta antiga restaurada. A Dona Olívia, 74 anos e há muito tempo reformada, prepara-nos um pequeno-almoço tradicional na manhã do terceiro dia de caminhada: com mel e compotas caseiras da sua própria cozinha, com queijo fresco das cabras, presunto e chouriço de porco preto, laranjas e clementinas do seu pomar e um belo chá de Bela Luísa da sua árvore de chá. E porque é que a Dona Olívia ainda trabalha, pergunta um ou outro caminhante? Apenas com paciência descobrimos mais sobre as pessoas, as suas aldeias, as suas tradições, a sua vida, as suas histórias muito próprias, que formam gradualmente uma imagem.
Juntamente com os colegas João, Miguel e Carlos, eu realizei o filme“Herdeiros da Revolução”. com 60 minutos e sobre esta vida, e também estou a escrever um livro com o mesmo nome. No nosso documento histórico não transmitido em nenhuma televisão portuguesa, damos a palavra a pessoas simples, que fomos encontrando durante as nossas caminhadas. Essas pessoas falam sobre o seu país e sobre a sua visão das coisas, e contam histórias sobre a sua vida na solidão da natureza, dos animais e do seu trabalho. Se estiver interessado em ver o filme, poderá fazê-lo no website em “Filme&livro” mediante uma contribuição.
E se quiser caminhar sozinho, no terceiro após 23 quilómetros irá encontrar o Senhor Manuel Teixeira, o último habitante da aldeia de Ferrarias na freguesia de Vaqueiros. Há nove anos que este agricultor de 83 anos de idade vive sozinho na companhia dos seus 14 gatos e vários burros. Ele cultiva cenouras, cebolas, feijão, abóbora, tomates e muitas outras espécies de vegetais na sua horta. O caminhante aloja-se na pousada do Parque Mineira Cova dos Mouros. Numa casa ao lado vive Manuel Teixeira e ele cuida dos animais da herdade.
Depois de Vaqueiros começam as montanhas e subimos até à Serra do Caldeirão. Passando por entre medronheiros e colmeias, e através de montados e eucaliptais chegamos a Cachopo, no concelho de Tavira e encontramos a Dona Otília. Ela mostra-nos os produtos do seu trabalho, que são feitos a partir do produto natural do linho, e também a fiação e como funciona o tear: um ofício antigo, em vias de extinção. Passando por Feiteira, Cortelha e Salir caminhamos rumo a Alte. Metade do percurso está feita.
A economia tradicional de subsistência do agricultor e as noras mouras acompanham-nos no nosso percurso. Visitamos Idálio Ramos Martins nos Montes da Portela da Nave. Ele fabrica queijos frescos processando o leite das suas cerca de 150 cabras. Idálio Martins, 31 anos, é um dos poucos jovens da região que decidiu ficar e montou uma queijaria. (http://www.saboreseartes.com/algarve/queijaria-martins/)
Por outro lado, nos montes de Silves encontramos a silvicultura para a indústria do papel. As plantações de eucaliptos são um dos motivos pelo qual Portugal arde constantemente nos verões e com temperaturas superiores a 45 graus Celcius. As florestas de eucaliptos são altamente explosivas. Enquanto nas florestas tradicionais de sobreiros e azinheiras, alfarrobeiras e castanheiros, etc, raramente surgem focos de incêndio, o eucalipto é considerado, por causa dos seus óleos essenciais, o Petróleo da florestal em cada incêndio florestal. Cinco por cento de todas as exportações portuguesas vão para a conta da indústria do papel extremamente nociva para o ambiente. A sociedade anónima Portucel/Soporcel atinge com o eucalipto um volume de negócios de quase dois mil milhões de euros por ano (2012). E onde é cultivado o eucalipto, dificilmente crescem outras espécies de plantas ou árvores. As raízes desta árvore de rápido crescimento e com uma energia intensa, sugam toda a água – até às águas subterrâneas – para se alimentarem. As monoculturas dos eucaliptais acompanham-nos na região da antiga cidade dos mouros, Silves.
No oitavo dia subimos até à montanha. A Fonte Santa, uma fonte da Idade Média com balneária, fica fora da rota e não é mencionada na rota oficial da Via Algarviana. No entanto, a rota dos peregrinos passa por ela e segue para as montanhas. Nós alteramos o itinerário e caminhamos para as Caldas de Monchique. Entramos no pulmão verde, na zona de protecção de águas do Algarve. Encontramos sobretudo fontes que se propagam em ribeiras e que descem correndo para o mar. Um dia de caminhada em que podemos sempre voltar a encher as nossas garrafas de água sem problemas.
Na Serra de Monchique visitamos o Senhor António de Encarnação, um agricultor hoje com 75 anos. Ele ainda cultiva todos os anos os seus campos agrícolas e planta cenouras, semeia milho e feijão e muitos outros legumes. Também cria alguns porcos pretos e destila um dos melhores medronhos que a terra produz. Por um caminho estreito antigo subimos até aos 776 metros da Picota. Na descida, caminhamos através da mais bonita floresta de sobro do sul, encontramos uma mina de água e chegamos à aldeia de Monchique. À tarde voltamos a subir, e passando pelas ruínas do antigo convento seguimos até aos 902 metros da Fóia, uma vida de montanha com cabras e vacas que pastam livremente na encosta norte do tecto de montanha. Os 27 quilómetros de extensão deste passeio de um dia são a etapa rainha desta longa caminhada.
A partir do tecto do Algarve com bom tempo podemos apreciar, pela primeira vez, a vista para o Cabo de São Vicente a uma distância de 70 quilómetros. O mar a sul e oeste - o Atlântico, tanto quanto os olhos podem alcançar. Caminhamos em Vale do Lobo até ao Pincho, passando por Bensafrim até ao Barão de São João e Vila do Bispo. O Senhor António Violante exerce ainda aí o ofício de pastor. Encontramo-lo geralmente com as suas cabras e ovelhas na charneca do Cabo. Nem todos os segredos, nem toda a magia desta caminhada podem ser revelados neste ponto. A caminhada é a meta, caros caminhantes! Cada caminhada é única nas suas experiências de viagem. Por isso, vamos caminhar até ao Cabo de São Vicente com o seu farol único. Com bom tempo aproveitamos também para tomar um banho refrescante no mar depois de termos percorrido 328 quilómetros a pé…
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